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Transplantes em tempos de pandemia

7 de maio de 2021

A pandemia da Covid-19 vem gerando fortes impactos negativos em todo o mundo. O tema foi matéria de capa do Jornal da AMMG.

Com o aumento de internações nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI´s) e a sobrecarga do sistema, muitas pessoas na fila de espera acabaram sendo penalizadas. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), abril de 2020 teve 34% menos transplantes do que o mesmo período do ano de 2019, em um reflexo direto da pandemia que afetou o Brasil, principalmente, a partir de março.
Segundo o Ministério da Saúde (MS), para transplantes como o de rim, vários critérios estão sendo levados em consideração para adiar os procedimentos. Um deles é a condição dos pacientes. Os mais estáveis, que toleram aguardar a melhora da situação da pandemia, estão com cirurgias postergadas.

Também tem contribuído para a diminuição de transplantes o medo de passar por intervenções cirúrgicas neste período. Outro fator é a cautela das equipes na avaliação de risco e benefício para cada indivíduo. Há, principalmente, risco de contaminação, o que pode levar a um desfecho desfavorável pela possibilidade de internação prolongada.

MAIS CAUSAS

De acordo com o presidente da ABTO, José Huygens Parente Garcia, fatores aliados ao medo de pacientes e doadores de se contaminarem no deslocamento até os hospitais, a falta de leitos específicos em UTI´s - já que a maior parte está reservada para quem está com Covid-19 - e dificuldade de acesso às famílias de possíveis doadores, colaboram para a diminuição dos transplantes. Também, a redução e a suspensão de voos comerciais para transportar órgãos e até a queda do número de mortes por trauma encefálico devido a diminuição do número de acidentes registrada durante a quarentena, contribuíram para esse cenário. “Vivemos em um país continental e muito heterogêneo. A troca de experiências foi muito importante para manter uma atividade de órgãos transplantadora, mesmo que reduzida.”
Para o vice-presidente da ABTO e coordenador do Programa de Transplante da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, Gustavo Fernandes Ferreira, a pandemia impactou duramente na atividade transplantadora, mas mesmo assim no Brasil, foi possível reduzir os danos.
Segundo Ferreira, a queda ocorreu de forma heterogênea. Alguns estados sentiram mais do que outros. “A região Sul foi a menos impactada, em particular, as cidades de Santa Catarina e Paraná. Elas são referência em doação de órgãos no país. Um dos motivos é por terem uma estrutura de saúde e de captação mais estruturada. Outros estados como os da Região Norte foram muito mais prejudicados. Tiveram até cerca de 70% de queda.”
Ferreira explica que os fluxos intra-hospitalares de chegada do paciente, da realização dos exames complementares, de contato com os profissionais da saúde, tiveram que ser todos redesenhados de forma muito rápida. Deste modo, cada programa precisou se reorganizar. Os ambulatórios tiveram que se adequar, fazendo muitas vezes, o atendimento online. “O risco era grande até mesmo no transporte para o ambiente hospitalar. Foi um ano de muito aprendizado, num curto espaço de tempo.”

CAPTÇÃO

Huygens explica que cada estado tem uma central estadual que coordena as atividades de captação e transplantes de múltiplos órgãos. Em cada hospital de maior porte existe uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOT), essencial no processo. “A busca ativa é primordial. Não é simplesmente telefonar para a central e perguntar se tem algum paciente com morte encefálica. Ela é mais eficiente quando o enfermeiro vai fazer essa verificação. Durante a pandemia, de fato, sobretudo na fase crítica, houve uma recomendação para não haver essa busca presencial. Se tivesse um potencial doador era aberto o protocolo e o processo seguia. Aí então a família seria entrevistada pela equipe da CIHDOT, altamente treinada e preparada.”
O presidente da ABTO conta que para além do problema da pandemia, há a taxa de negação familiar, que no Brasil gira em torno de 40%, muito alta. “E a Covid-19 nos ensinou muita coisa. A nos preocuparmos mais com o outro. Hoje, é preciso dizer a sua família que você é um doador de órgãos, mesmo tendo documento escrito. Então comunique, fale para todos da sua vontade.”

MUDANÇA NAS DIRETRIZES

Novas regras deixaram o processo ainda mais complicado. Além da liberação da família para a doação, algo que cerca da metade não aprova, há a preocupação com a questão da Covid-19. Pessoas que tinham previamente manifestado interesse de se tornarem doadoras, mas que ao falecer portavam a nova doença, são recusadas no processo. O mesmo vale para quem vem a óbito com a suspeita do novo coronavírus.
Na doação entre indivíduos vivos, é preciso que o doador não tenha tido contato com pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Além disso, é necessário realizar o teste RT-PCR antes de a cirurgia acontecer. Por fim, no caso de doador que foi infectado, deve esperar 28 dias antes de se realizar o procedimento. Os exames também são aplicados em quem necessita de transplante. Em caso de confirmação da Covid-19, a operação deve ser adiada. O teste é feito em todos os envolvidos, mesmo que não apresentem sintomas da nova doença.
O Brasil conta, hoje, com mais de 45 mil pacientes na fila de espera. Para o vice-presidente da ABTO, se não conseguirmos controlar essa segunda onda e se ela chegar da mesma forma que a anterior ou superior, vamos ter uma queda novamente no número de transplantes.

Dr. Omar Lopes Cançado Júnior - Diretor do MG Transplantes

Minas Gerais viveu também um cenário de queda importante das doações. De acordo com o Diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado Júnior, os transplantes de órgãos sólidos em 2020 na capital mineira, caíram 17,8%, em relação a 2019. A fila de espera hoje no Estado, até dezembro de 2020, conta com 4.618 pacientes.
Lopes explica que a principal queda foi no transplante de tecidos, especialmente a córnea, da ordem de 50%. Por recomendação do Ministério da Saúde foram interrompidas as doações com pessoas com o coração parado, principais doadores de córnea. “Só mantivemos essa captação nos doadores de múltiplos órgãos e, com isso, diminuiu demais. De acordo com nota técnica, a região que estiver em bandeira vermelha deve suspender o transplante eletivo de córnea, assim como as doações. Em 2019 foram 1224 transplantes deste órgão, e em 2020 apenas 543.”

PRÓXIMOS MESES

Para Lopes esse será um ano ainda difícil. “A pandemia não vai acabar daqui a dois ou três meses. É preciso vacinar pelo menos 70% da população para adquirir a imunidade de rebanho. Enquanto o vírus estiver circulando, da forma como está, vamos continuar tendo esse problema. O que esperamos é que com o início da imunização, o número de infecções diminua para então podermos ter um aumento no número de transplantes. Mas não temos como prever esse cenário. Estão aparecendo cepas novas, mais transmissíveis.”

Para Lopes, o maior desafio é conseguir no estado uma homogeneidade na notificação. “Não temos como ir em todos os hospitais o tempo todo. É um estado muito grande. Sem a notificação não é possível fazer a captação.” Ele explica que, para isso, o Estado tem feito cursos de capacitação, com frequência, para profissionais de CTI´s ou que estejam envolvidos com o transplante de órgãos, mas que com a pandemia foram cancelados. Somente em janeiro deste ano começamos a ministrar alguns cursos à distância e a meta é aumentar nesse formato.”

MAIS DESAFIOS

Outro grande problema, ainda segundo Lopes, é que apesar do diagnóstico de morte encefálica ser obrigatório, muitos hospitais não o notificam e, com isso, há uma perda de doadores. “Uma vez da suspeita é preciso confirmar o diagnóstico, com exames que seguem protocolos rigorosos do Conselho Federal de Medicina, e comunicar à família. Depois disso pegamos a listagem dos pacientes na fila para dar prosseguimento. Não sabemos quem são os doentes, pois, a ordem segue a gravidade do indivíduo, tornando o processo seguro e transparente.”
O Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM UFMG) e Coordenador do Serviço de Transplante Cardíaco do Hospital das Clínicas da UFMG (HC UFMG), Renato Bráulio, conta que desde o início da pandemia em 2020, houve uma redução superior a 50% nos transplantes cardíacos na instituição, com a perda de algumas doações em boas condições, em virtude de os doadores apresentarem o teste para a Covid positivo. “Estamos tendo dificuldades maiores com relação à realização de exames pré-transplantes, com atrasos e piora na situação clínica dos pacientes, além de dificuldades para transferências, haja vista que os leitos de CTI´s são priorizados para a Covid. E não há sinais de melhora por enquanto.”

ORGANIZAÇÃO NECESSÁRIA

O Coordenador do Serviço de Transplante de Fígado da Santa Casa de Belo Horizonte, Agnaldo Soares Lima, conta que há anos tenta-se melhorar o número de doadores para beneficiar mais pacientes que estão na fila. Além disso, a fila de espera não é muito grande em Minas, o que não quer dizer que não há pessoas precisando do transplante. “Isso reflete um outro tipo de problema que não é dependente da doação, mas sim da organização do Estado no referenciamento dos pacientes para os serviços de transplante. Quando no interior de Minas não existe a estrutura necessária para o transplante de fígado e uma pessoa é identificada como um doente que precisa do mesmo, tem que haver uma mobilização das secretarias municipal e estadual de saúde para que ele alcance um serviço transplantador, seja em Belo Horizonte, em Montes Claros, em Juiz de Fora ou em Varginha, onde há esses serviços no Estado.

As filas em Minas, sobretudo no que diz respeito ao fígado, são pequenas. Isso significa que pessoas doentes estão sem a devida assistência. Isso já acontecia antes da pandemia e está ainda pior no presente momento.”
Lima relata que a Santa Casa não parou de fazer transplantes durante a pandemia, mas em alguns meses esse número foi reduzido devido à falta de doadores. No início houve uma súbita queda. Estima-se que a diminuição foi da ordem de 40% para os transplantes de fígado, com uma posterior recuperação, sem conseguir alcançar os mesmos números que tivemos em 2019.
Todos os pacientes são testados no momento em que são internados para os transplantes. Em alguns casos, durante a pandemia, foram identificados casos de pacientes que estavam com Covid e não sabiam, e o transplante foi suspenso. Lima explica que é conhecido que a evolução de um paciente que é transplantado na vigência de uma infecção por Covid é ruim. “Hoje já existem publicações mostrando que há complicações hepáticas no fígado, seja ele transplantado ou não, quando o paciente é acometido pelo novo coronavírus.”

Para Lima, foi notada melhora no número de transplantes após um ano do início da pandemia, apesar de todas as dificuldades, de CTI´s cheios. O volume de transplantes está sendo retomado, aos poucos, com índices de doações que não são excepcionais. É preciso melhorar, pois, segundo o médico, as taxas de captação de órgãos já eram baixas mesmo antes da pandemia.

Fotos: Gláucia Rodrigues